Por Ana Elise Camporês e Emilly Rocha
Estar inserido em um ambiente familiar que proporcione liberdade e aconchego é o sonho de todas as pessoas da comunidade LGBT. No entanto, essa realidade não é a mais comum. A rejeição e a discriminação começam, com grande frequência, dentro do próprio lar. O desrespeito e a falta de apoio da família colocam pessoas da comunidade em situações de vulnerabilidade, seja pela carência de amor e aceitação, ou, em casos mais graves, pela expulsão do seio familiar e corte de vínculo.
Apesar do cenário ainda desanimador, existe uma parcela de mães e pais de pessoas LGBT que estão navegando por um caminho contrário: o do amor e respeito. Exemplo disso é a Associação Mães pela Diversidade. O coletivo, que nasceu em 2014 através da união de mães preocupadas com a violência e com o preconceito contra seus filhos e filhas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, hoje reúne mães e pais de crianças, adolescentes e adultos LGBTQIA +.
Apesar de ter surgido em São Paulo, a organização não governamental foi se expandindo pelo país e hoje tem atuação em todos os estados da federação. Como forma de horizontalização da gestão da associação, cada estado possui uma coordenadoria, ou seja, um ponto focal do coletivo na localidade. No Espírito Santo, esse papel é exercido pela professora de história aposentada Mônica Alves.
Desde que teve o primeiro contato e entrou no grupo, cerca de sete anos atrás, Mônica já assumiu o cargo de coordenadora. Ela lembra como conheceu o ‘Mães’:
“Meu filho, que é LGBT, há alguns anos atrás, acho que em 2017, me falou sobre um grupo no Facebook que era o Mães pela Diversidade. Eu entrei nesse grupo, comecei a ler as postagens e mandei uma mensagem dizendo que eu tinha interesse em participar. Quando eu conversei com a presidente ela logo me disse que o coletivo estava precisando de uma coordenadora no Espírito Santo e questionou se eu topava esse desafio e eu logo topei”, lembrou a professora.
Em conversa, a coordenadora repassou a trajetória de atuação do grupo no estado, desde o momento em que os encontros aconteciam aos sábados em uma escola de Vila Velha, passando pelo período de incertezas políticas em 2018, que as mães se sentiam intimidadas pelas falas discriminatórias do ex-presidente Jair Bolsonaro e por isso decidiram se reunir de forma mais reclusa, no prédio da casa de Mônica. Logo após, o Governo do Estado cedeu a Casa dos Direitos para a realização de reuniões e eventos.
“Acolher pais e mães de pessoas LGBTS que possam não compreender a orientação sexual e a identidade de gênero de seus filhos, filhas e filhes.” Foi assim que a coordenadora Mônica definiu o principal objetivo do coletivo. “Nossa primeira tarefa é explicar pra eles esses termos, através do acolhimento. Alguns pais chegam muito perdidos e sem saber o que fazer, principalmente os pais de pessoas trans”, acrescentou.
Esse não é o caso de Eliane Modenesi. A aposentada é mãe do estudante José Luís Modenesi. José, homem trans de 22 anos, afirma que as conversas com a mãe acerca da sua sexualidade e identidade de gênero, desde o princípio, sempre foram muito tranquilas.
“Minha mãe sempre tratou isso como uma coisa normal, era como se eu estivesse apenas contando uma boa nova da minha vida pra ela. Ela tem zero questões em relação ao tema, não teve dificuldade para entender e trata como um movimento super natural, da natureza humana mesmo”.
Sempre uma grande apoiadora do filho, Eliane não pensou duas vezes antes de aceitar o convite de José para participar de um encontro promovido pelo coletivo em 2023. “Eu já seguia e acompanhava o ‘Mães pela Diversidade’ pelo Instagram. Depois de um tempo meu filho me convidou para ir a um encontro e depois disso eu passei a participar do grupo aqui no estado. Estou sempre atenta às oportunidades de participar de eventos promovidos”, afirmou.
Para ela, seria muito importante se todas as mães de pessoas da comunidade LGBT pudessem ter acesso ao coletivo, já que são nesses momentos que uma mãe apoia e aconselha a outra. “Esse encontro é um local onde você vai trocar experiências, vai falar de amor, vai falar de respeito, vai inspirar. Uma mãe vai inspirar a outra, né? Cada uma com a sua história, cada uma com a sua luta, com a sua batalha. E essa troca de experiência, ela é encorajadora. Ela faz com que você se sinta mais livre para estar lutando pela dignidade, por amor, por respeito para os seus filhos.”
MÃES UNIDAS NA CELEBRAÇÃO DA DIVERSIDADE
Uma das formas de endossar a luta pelos direitos LGBT e celebrar a diversidade é por meio da promoção de eventos que reúnam esse público e os apoiadores da causa para dar amplitude à batalha e celebrar o orgulho. Exemplo disso são as famosas paradas LGBT, que acontecem ao redor de todo mundo e têm como foco central a exaltação do amor.
E a Grande Vitória não fica de fora. Este ano, pela 12ª vez, a Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold) irá realizar a Parada LGBTQIAPN+ de Vitória. Na edição de 2024, a parada traz como tema a luta pela justiça ambiental. Nas redes sociais, a Associação Gold relatou que a escolha do tema é “sobre garantir que todas as pessoas, independentemente de sua identidade, tenham acesso igualitário a um meio ambiente saudável”.
A parada irá acontecer no próximo domingo (28) e tem previsão de iniciar com concentração no bairro Vila Rubim e seguir até o Sambão do Povo, onde se apresentarão diversas atrações. Cumprindo seu propósito de luta, as mães que participam do grupo ‘Mães pela Diversidade” no estado estarão presentes na parada para reforçar a luta dos filhos, filhas e filhes.
Mas essa não é a primeira vez. De acordo com a coordenadora Mônica Alves, no ano passado, o coletivo foi responsável por abrir a manifestação. Além disso, as mães do grupo também costumam marcar presença em paradas de outros municípios do estado. “O ‘Mães’ sempre participa. A gente vai em outras também. Já participamos em Anchieta, já participamos em Vila Velha, fomos a Marataízes… A gente, sempre que pode, vai”.
E essa já é uma cena comum em todos os estados que realizam paradas de orgulho LGBTQIAPN+. Confira o vídeo abaixo!
No último mês de junho, vestidas de verde e amarelo, as mães do coletivo ampliaram um grito em São Paulo, “verás que a tua mãe não foge à luta” como forma de reforçar a luta para que o preconceito e a violência contra seus filhos seja cada vez menor. É isso que Eliane Modenesi irá fazer. A aposentada, que reside no município de João Neiva, irá viajar até Vitória para participar do evento junto com o filho.
“Fico realizada em poder participar desse momento e em mostrar que a luta para acabar com o preconceito tem que ser constante. Fazer isso ao lado do meu filho é a representação de que o amor sempre deve estar em primeiro lugar nas nossas vidas”, afirmou Modenesi, que ainda contou que irá no evento usando a camiseta do grupo junto com o filho.
Para José, estar no ato junto com a mãe significa concretizar um apoio. “Embora eu já tenha entendido e vivido esse apoio desde o começo, na parada nós estaremos juntos lá caminhando com o ‘Mães pela diversidade’ e é basicamente mostrar para as outras pessoas, olha que legal minha mãe aqui comigo. Tenho certeza que vai ser uma experiência muito marcante”, disse.
Ele reforça a importância desse apoio na batalha contra a LGBTfobia, para todas as pessoas que fazem parte da sigla, mas principalmente para pessoas trans. “Quando a minha mãe, geradora da minha vida, que é a pessoa mais importante na minha existência, se coloca como a minha principal apoiadora diante de todo mundo, sem titubear, as outras pessoas se sentem acanhadas pelo tamanho desse suporte e entendem que não têm o direito de serem preconceituosas”, observou.